O filme "Bandida: a número um" começa com a protagonista Rebeca, ainda criança e vivida pela influenciadora Michely Gabriely, sendo vendida pela família ao bicheiro que dominava a Rocinha em 1977, antes da chegada do tráfico de drogas. Amoroso, interpretado por Milhem Cortaz, mantinha um harém na comunidade da Zona Sul do Rio, onde abusava de várias meninas sem sofrer punição alguma das autoridades. A estreia do filme ocorreu ontem, coincidindo com a intensa discussão sobre o PL Antiaborto, um projeto de lei que equipara o aborto legal após 22 semanas ao homicídio, mesmo em casos de estupro.
— Uma criança não está preparada para gerar outra, ainda mais de forma violenta. Fui vítima de estupro aos 15 anos, por um ex-namorado. Só entendi isso no ano passado, na terapia, e hoje consigo falar sobre o que aconteceu, mas o sentimento de impotência marcou minha vida para sempre. Como é que se quer agora culpabilizar e criminalizar a vítima, e com uma pena ainda maior do que a de quem cometeu o crime? — questiona a atriz e cantora Maria Bomani, que interpreta Rebeca durante a adolescência e a fase adulta, quando se torna a primeira mulher a liderar o tráfico na Rocinha.
Para quem não lembra, Maria Bomani foi a Verena na novela "Amor de mãe", da TV Globo. Sua personagem na trama tinha um filho fruto de estupro, e o caso foi amplamente discutido.
Dirigido por João Wainer (“A jaula”), “Bandida: a número um” tem 1h22 de duração e é inspirado no romance autobiográfico “A número um”, lançado em 2015 por Raquel de Oliveira. A autora, que também é pedagoga, teve um relacionamento com o traficante Ednaldo de Souza, o Naldo, nos anos 1980. Ela liderou o movimento, deixou o crime e, desde então, tem se dedicado ao tratamento da dependência química, continuando a viver no bairro.
— Sou respeitada aqui, e quem manda hoje no tráfico foi meu aluno na escola. A literatura me salvou, sou uma sobrevivente. Nesses 35 anos, a Rocinha e o crime mudaram, mas vivemos uma paz negociada. E há muitas meninas se prostituindo, fazendo sexo oral em troca de cocaína. É isso o que deveríamos estar discutindo e não essa lei maldita — comenta Raquel, de 63 anos, que se emocionou ao assistir ao filme e elogiou a atuação da ex-BBB.
O lançamento de "Bandida: a número um" chega em um momento em que o debate sobre o PL Antiaborto está fervendo. A lei proposta busca criminalizar o aborto legal acima de 22 semanas, mesmo em casos de estupro, equiparando-o ao homicídio. O filme, ao retratar a dura realidade de abuso e sobrevivência de Rebeca, acaba por destacar a urgência de discussões mais profundas e empáticas sobre as leis que afetam as vítimas de violência sexual.